quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O desequilíbrio dos contratos de compra e venda de imóveis elaborados pelas construtoras

A robusta expansão imobiliária dos grandes centros urbanos brasileiros fez jorrar na Justiça uma enorme quantidade de processos indenizatórios decorrentes do atraso na entrega dos apartamentos aos compradores, na medida em que as construtoras se preocupam muito mais em vender os novos empreendimentos do que em cumprir suas obrigações contratuais com aqueles clientes já conquistados.

Mas o motivo que me levou a publicar esta postagem está ligado a uma situação concreta que estou vivenciando no meu trabalho como advogado. O cunhado da minha noiva assinou um contrato de promessa de compra e venda referente a um apartamento em Belo Horizonte em 2007, com previsão de entrega para Abril de 2009, tendo este meu cliente recebido as chaves apenas em Junho de 2010. Não vou citar os nomes das partes no blog por respeito às mesmas, achando que não seria necessário expô-las.
                       
O que me deixou especialmente assustado com esse caso é o fato do mencionado contrato já estar totalmente preparado para o acontecimento do atraso, bem como de se apresentar consideravelmente desequilibrado em favor da construtora.
                       
É inegável que a maioria esmagadora da jurisprudência se posiciona no sentido de que o atraso na entrega dos imóveis gera indenização correspondente ao período de atraso e, apenas em alguns casos específicos, referente a danos morais.
                       
Sabendo disso, a construtora do caso concreto que estou atuando e todas as outras, estipulam em seus contratos de adesão uma cláusula de tolerância na entrega do imóvel, geralmente de 120 (cento e vinte) dias úteis contados da data prevista no pacto celebrado entre as partes.
                       
Entretanto, alguns julgados vêm entendendo que esta cláusula deve ser tida como abusiva, na medida em que na hipótese de mora do consumidor no pagamento das parcelas não há qualquer prazo de tolerância, culminando na imediata cobrança de uma multa de 2% (dois por cento) pelo atraso e de 1% (um por cento) de juros moratórios ao mês.
                       

Além disso, parte da jurisprudência também entende que o aludido prazo só deveria ser utilizado na hipótese de caso fortuito ou força maior que impeçam a entrega da obra no prazo avençado. Peço licença aos leitores para transcrever um julgado que corrobora com este entendimento:

“EMENTA – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL A PRESTAÇÃO. PRAZO DE ENTREGA DO IMÓVEL COMPROMISSADO. INADIMPLÊNCIA DA COMPROMISSÁRIA VENDEDORA. PRAZO DE TOLERÂNCIA PREVISTO NO CONTRATO. Considera inadimplente a construtora e compromissária vendedora quando não faz entrega do bem compromissado no prazo previsto no contrato, autorizando o acolhimento do pedido de rescisão feito pelo compromissário comprador, com devolução de todas as parcelas pagas, devidamente corrigidas, mais juros de mora e outras penalidades previstas em contrato. O prazo de tolerância previsto no contrato somente é justificativa para prorrogação do prazo contratual de entrega do imóvel compromissado quando ocorrer caso fortuito ou força maior devidamente comprovado nos autos.” (TJ/MG – 7ª C. Cív., Ap. Cív. nº 361.743-8, Rel. Des. José Affonso da Costa Côrtes, julg. 06.06.2002).
Além disso, como muito bem ressaltou o Promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Dr. Paulo Paulo Sérgio Cornacchioni, na inicial de uma Ação Civil Pública instaurada naquela cidade, “bem diversamente da posição do consumidor no contrato, além de gozar da malfadada tolerância de 120 dias úteis, a ré (construtora) se sujeita a multa moratória substancialmente mais branda  — 1% por mês ou pro rata die e nada mais”.
Ora, admitir a aplicação deste prazo de tolerância como regra, estar-se-ia concordando com o fato de que a data de entrega do imóvel prevista em contrato não existe, podendo a construtora, a seu talante, alterá-la, sem qualquer consequência, dentro do malsinado prazo.
Noutro giro, questiono: o que aconteceria com o meu cliente caso ele não pagasse uma de suas centenas de prestações na data correta? Existiria para ele um prazo de tolerância de 120 (cento e vinte) dias úteis?
O Código de Defesa do Consumidor preconiza em seu art. 4º que as relações de consumo devem ser harmônicas e transparentes, o que não vislumbra neste caso que apresento no Virtual Jus.
Se não bastasse o exposto, o contrato ainda prevê uma cláusula de convenção de arbitragem, tentando afastar do consumidor a possibilidade de recorrer ao Poder Judiciário. Entretanto, o entendimento sedimentado da jurisprudência é de que tal disposição é nula na hipótese de contrato de adesão, ou seja, em contratos em que se apresentam as cláusulas previamente redigidas, cabendo ao consumidor apenas assinar e aderir às condições pré-estabelecidas.
Portanto, se você adquiriu um apartamento na planta e até hoje não conseguiu receber as suas chaves, saiba que é seu Direito a indenização relativa ao período de atraso. Mas, antes de mais nada, o conselho é ler com cuidado o contrato antes de assiná-lo, porque, infelizmente, há muitos desequilíbrios escondidos nas linhas redigidas a uma só mão, qual seja, a mão da construtora. 
Imagem: www.google.com/images

2 comentários:

  1. Essa cláusula dos 120 dias é ridícula, totalmente abusiva. Como bem observado pelo Dr. Vitor, o comprador não tem nenhum direito a atrasos no pagamento das prestações! O que os compradores têm mesmo de fazer, além de requerer na Justiça o pagamento de indenização, é consultar um advogado ANTES de assinar esses contratos. É uma pena que no Brasil não tenhamos a cultura da advocacia preventiva.

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  2. Dra. Paula,
    Agradeço o comentário e fico muito feliz por você compartilhar da mesma opinião que eu. É sempre gratificante saber que colegas de alto gabarito como você também entendem a questão da mesma forma. Significa que estou muito bem acompanhado no meu entendimento.
    Abraços.

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